O mar está sobreavaliado. Não me fascina o seu
ruído constante, que para mim é a marca evidente da sua servidão. O mar não
deixa de ser mar, apesar das mudanças de cor, da ondulação que embala ou que
mata. Oscila entre marés e tem correntes, mas até os peixes, que são estúpidos,
as conhecem. Eu sei que a matéria dos peixes os protege e mantém, e que isso é uma
forma de inteligência, mas se os peixes têm inteligência é uma inteligência que
é igual à do mar, porque é feita de mar, e o mar é apenas o mar, e por isso os
peixes são bichos torpes e tu não sais com eles para jantar. São as coisas que
não são do mar que o tornam suportável: um barco que naufraga, um polícia
marítimo que olha os traficantes de droga e dá ordens e respira apressado. Por isso
as ilhas são os lugares mais infelizes do mundo. Por causa do mar. Ela chegou
de avião para ser juíza na ilha e ainda trazia um pouco de terra nos sapatos.
Ele, polícia marítimo, prendeu-a por toda a vida num barquinho salgado,
raspou-lhe as escamas, e o vulcão subiu do mar e sacudiu a água e eles ficaram
lá em cima, na lavoura arcaica dos filhos e das sopas, dos sonhos, dos
remédios, dos armários, no trabalho dos dias.
3 comentários:
Essa é uma bonita estória de amor.
Uma delícia de texto, delícia de blog. Parabéns =D
obrigados, bjs
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